quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Salmo 121

Elevo os olhos para os montes: de onde me virá o socorro?

O meu socorro vem do SENHOR, que fez o céu e a terra.

Ele não permitirá que os teus pés vacilem; não dormitará aquele que te guarda.

É certo que não cochila, nem dorme o guarda de Israel.

O SENHOR é quem te guarda; o SENHOR é a tua sombra à tua direita.

De dia não te molestará o sol, nem de noite, a lua.

O SENHOR te guardará de todo mal; guardará a tua alma.

O SENHOR guardará a tua saída e a tua entrada, desde agora e para sempre.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

O Estrangeiro

"É parecida comigo?" Alice perguntou ansiosa, pois lhe ocorrera a idéia: "Há uma outra menininha em algum canto deste jardim."
Peregrinar não é somente um encontro conosco mesmo, é também, e sobretudo, um encontro com o outro, outros - que, todavia, nos conduz a nós mesmo. O ser humano, por simples contingência, participa de um convívio - querendo ou não, a sua existência é uma existência compartilhada. E compartilhar o existir é fundamento divino, manifesto no sublime mistério da Trindade Santa: Um só Deus, em Pessoas três!... Com efeito, ao peregrinar, trava-se com o estranho, com o estrangeiro (palavras que tem a mesma raiz semântica: extraneus), um reencontro consigo próprio. A viagem sagrada é um exercício de reciprocidade, o piedoso feedback que nos recomenda a Torá, ou Pentateuco: “Ama o estrangeiro como a ti mesmo, e lembra-te que fostes estrangeiro em uma terra estrangeira (Ex. 22,20; Lv. 19,33; Dt. 10,18)...” Se trocarmos a palavra “estrangeiro” por “estranho” o versículo se revela ainda mais significativo e luminoso. Acaso sabemos de nossa própria estranheza? Quem já assumiu a perspectiva do outro? Quem já se pôs no olhar estrangeiro para contemplar a si mesmo? E com que freqüência?... A peregrinação nos confronta com essa experiência que, dada a sua radicalidade, quase nunca é fácil, podendo até tornar-se puro non-sense, algo parecido com a fabulosa viagem de "Alice através do Espelho... e o que encontrou por lá!” Eu sou da opinião que Lewis Carroll fez Alice aventurar-se uma segunda vez, peregrinando através do espelho, porque sabia que o espelho do peregrino é o seu próprio caminho. Na peregrinação, deparamo-nos com estranhos reflexos de nós mesmo, e nossa reação é tal, que acabamos conhecendo a dimensão de nossa própria estranheza. Com efeito, está escrito: “Lembra-te, porém, de todo o caminho que o Senhor teu Deus te fez percorrer (...) a fim de te humilhar, de te tentar, e te levar ao conhecimento do que tinhas no coração. (Dt. 8, 2)” É bem provavel que o poeta inglês Robert Browning estivesse pensando neste versículo quando escreveu: “I walk to prove my soul!”

Pilgrim

domingo, 12 de setembro de 2010

A Bagagem

A peregrinação é, entre outras coisas, também um mochilão. Entre parênteses: mochilão é um eufemismo de conotação aventureira utilizado para justificar viagens feitas em condições quase precárias, aliás, limitadas, ou melhor, mínimas para o conforto de um turista comum. Isso não significa, necessariamente, um orçamento apertado – às vezes sim, mas não é o meu caso. Mochilar (já existe o verbo!) é para mim uma contingência decorrente da peregrinação – a propósito, ocorreu-me agora que o peregrino é o ancestral direto do mochileiro – pois, desde os primórdios, só se peregrina com nada mais do que um mochila nas costas, leve na medida do possível, portando o básico do básico. Quanto a isso existe toda uma diversidade de regras, recomendações e instruções que, como todo bom conjunto de leis, visa o bem-estar do indivíduo, sobretudo concernente a sua saúde física e emocional. Não são poucos os percalços e contratempos de quem ousa uma travessia de mais de 800 km a pé; logo, uma bagagem adequada, sem nada de mais ou de menos, faz toda diferença quanto ao sucesso desta empreitada. E eu conheço bem o que se deve ou não carregar, fui devidamente avisado, mas reconheço que não pude acatar todos os avisos.

O fato é que me preparei para uma peregrinação mais extensa, tanto no tempo quanto no espaço, e isso implicou numa bagagem um pouco diferenciada. Não me acusem de vaidade, mas a verdade é que não dá para passar 10 dias em Paris usando apenas roupas de fleece e taktel. Tenho uma amiga que considera a coisa mais ridícula do mundo ver um nerd com roupas de safári passeando pelas capitais européias. Não pretendo pagar esse mico. E também não vou ficar zanzando entre aeroportos e estações de trem com uma mochila de trekking, convencionalmente leve, porém menos resistente. Optei então pelo meio termo, uma mochila cargueira Quantum 55+10, na qual, além da indumentária recomendada, cometerei o atrevimento de levar uma simples calça jeans (proscrita devido o peso). Eis o meu pecado!... Mas não é tudo. Há ainda uma mochila de ataque, filhote da cargueira que, por isso mesmo, vem atrelada a ela, e é onde ficará meu netbook (outra extravagância!). Já sei: arcarei com as conseqüências. Que assim seja, I don’t care!... É mais fácil, aliás, mais humanamente possível desfazer-se do excesso do que fazer-se na escassez. Tirar coisas do nada, ex-nihilo, só Deus pode!... Lembra daquele provérbio que diz vão-se os anéis e ficam os dedos? Então, muito pior é quando sequer tem dedos para perder anéis. Ultreya!

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

A Rota

Como já foi dito, toda e qualquer peregrinação tem por meta uma conversão – seja em “latu” ou “strictu sensu”. O peregrino converge para o núcleo da própria fé, o local sagrado da teofania, da visitação, da revelação. Para o cristão há, naturalmente, a Terra Santa, com Belém onde uma grande Luz brilhou na escuridão, e o Verbo se fez carne e veio habitar entre nós; e com Jerusalém onde este mesmo Verbo derramou seu precioso sangue para redimir a humanidade inteira. Mas além, há inúmeros túmulos de santos, repouso da humanidade redimida, lugares de contemplação e veneração da Graça. Há ainda as grutas e fontes abençoadas pelas aparições da Mãe misericordiosa, sítios de arrependimento e de cura. Toda a geografia do ocidente e do oriente está assim pontilhada por focos de esperança, através dos quais o peregrino pode traçar circuitos aleatórios que, no entanto, convergem para o mesmo fim: Deus.

Com efeito, a minha peregrinação, tem início no norte da França, no Mont Saint Michel, uma ilha situada no limite costeiro da Bretanha com a Normandia, e onde o arcanjo Miguel (em francês, Michel), príncipe das milícias celetes, manifestou-se a Aubert, bispo de Avranches, no ano da graça de 708. De lá desço para Paris, onde tomo a Via Turonensis, antiga rota de peregrinação para Compostela, cujo trajeto compreende a misteriosa Catedral de Chartres, no Vale do Beauce. Depois pego um desvio transvessal pelas Vias Lemovicensis, Podiensis e Tolosana que me dão acesso ao Santuário de Lourdes e outras paragens sacras, até seguir pelo caminho único que corta o norte da Espanha e conduz a Catedral de Santiago de Compostela. Portanto, que desde já São Tiago rogue por mim, que o arcanjo Miguel me defenda, que a Virgem Santíssima me guie e me alente, e que Deus Nosso Senhor me abençoe.