quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Foi um longo domingo...

Ainda na praça Vivien, consultei o mapa para ver qual poderia ser o próximo paradeiro do meu passeio dominical. Foi então que descobri que ali perto ficava a Arènes de Lutéce, antigo anfiteatro galo-romano onde, nos tempos de Saint Julien, costumavam usar cristãos e outros tipos de outsiders como pasto para grandes felinos famintos. O mapa dizia que o acesso era gratuito, pois a arena é como uma praça, podendo ser visitada a qualquer dia e horário. Fui!... Para chegar lá desci pelo Quai de la Toumelle, depois segui por uma rua que fica entre o campus da Universidade Paris 6 e o Instituto do Mundo Árabe. A propósito, constatei que aquela vizinhança era predominantemente muçulmana, não de imigrantes em situação ilegal, mas de comerciantes bem-estabelecidos com lojas e restaurantes. As mulheres dali só diferiam das parisienses típicas pelo uso do chador, no mais a maquiagem e as roupas eram tão modernas e elegantes quanto. E foi uma delas que me indicou a porta de um pátio que servia como atalho para a arena.




Confesso que eu esperava algo como um pequeno Coliseu ou coisa parecida - ledo engano! A Arènes de Lutéce mais parece um campinho de várzea, e de terra batida!... Com efeito, havia até alguns garotos jogando uma peladinha. Nada de mais!... A única coisa que aludia à velha arena romana eram dois portões por onde, suponho eu, soltavam os leões. Mas bem podiam ser confundidos com saídas de esgoto. Fiz algumas fotos e parti.




Olhando outra vez o mapa, percebi que aquela rua ficava a alguns quarteirões atrás do Panthéon, e outra não poderia ser a minha próxima parada. Mas chegar lá não era tão simples como o mapa sugeria. A certa altura havia um emaranhado de becos e escadarias nos quais não era muito difícil se perder e, consequentemente, eu me perdi. Claro que se perder nos becos e vielas de Paris não caracteriza um grande problema, muito pelo contrário, é quando você descobre o que há de mais pitoresco na cidade. No meu caso, constatei que a capital francesa é cheia de ladeiras, que são interligadas por antigas escadarias, e que nestas escadarias eles disponibilizam, muito gentilmente, belas fontes para mitigar a sede em meio ao sobe e desce.  


Mas eis que chego ao Panthéon, na verdade aos fundo do Panthéon que, todavia, não é menos deslumbrante que a fachada.


Dali era possível ver Le Palais Jardin du Luxembourg e a torre Eiffel mais adiante, verdadeiro cartão postal... 


Eu sabia que ali estavam sepultado todos os grandes gênios da nação francesa: poetas, políticos, filósofos, cientistas, heróis de guerra, etc. E sabia também que originariamente ali funcionara a Igreja de Santa Maria Madalena e que, após a Revolução Francesa, fora confiscada pelo Diretório revolucionário,  laicizada, estatizada e transformada em mausoléu público. Eu só não sabia que seria preciso pagar 7 euros para entrar. Mas, fazer o que?... Paguei e entrei, até porque estava começando a chover forte.


E valeu a pena. De cara vi logo o famoso Pêndulo de Foucault, que foi construído para comprovar o movimento de rotação da Terra, depois serviu de tema e título para um dos romances de Umberto Eco.








Seu inventor, o físico Jean Bernard Léon Foucault, está sepultado logo abaixo, numa galeria do subsolo repleta de defuntos ilustres, cujos nomes estão listados nas paredes do mausoléu.


Essa galeria subterrânea era na verdade o antigo claustro dos monges de Santa Madalena: um labirinto de corredores e escadarias circulares, absolutamente estonteantes. As velhas celas monásticas hoje servem de cripta para as duplas, trios e até quartetos de finados notáveis que ali estão sepultados. Não obstante toda aquela gente fina, elegante e sincera, o que realmente encantava era a arquitetura do lugar, e de tal modo que era impossível a imaginação ficar quieta





Nos corredores e escadarias em espiral a ideia de perseguição e fuga nos surge de forma irresistível. Numa outra escada, estreita, sinuosa e abrupta, a questão que se impõe é saber se um caixão passaria por ela sem danificar as paredes, e que pacientes manobras seriam necessárias fazer para não derrubar o falecido.



Eu estava inteiramente absorvido nessa tolices quando os seguranças do prédio passaram comunicando que estava quase na hora de fecharem o mausoléu. Mas já?!... Já. A tarde estava adiantada e eu precisa sair dali urgentemente se quisesse pegar o Louvre aberto. Felizmente estava estiado, porém o frio havia triplicado. O bom senso exigia que antes eu passasse pelo hotel e me agasalhasse o mais adequadamente. E isso não seria problema pois o hotel ficava no caminho para o Louvre. Problema mesmo seria conseguir correr com aquelas botas torturantes.


Juro que fiz o máximo que pude e em pouco mais de quarenta minutos consegui  alcançar a indefectível pirâmide de vidro. Mas já era tarde. O museu ainda estava funcionando, no entanto como faltava apenas meia hora para fechar (pois, no domingo, fecha-se às 18h) a venda de ingressos tinha sido encerrada. Logo, minha tão sonhada visita ao Louvre teria que ficar para uma próxima viagem, lamentavelmente.
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Como consolação fui espiar o que havia dentro daquela famigerada pirâmide, e para minha máxima frustração deparei com um mini-shopping subterrâneo, onde se vendia desde tablets da Apple, joias Cartier, até telas de artistas contemporâneos.




Nada que fosse do meu inter$$e. Tirei algumas fotos e saí por uma escadaria que conduzia  ao pórtico do Jardin des Tuileries, o famoso Carrousel du Louvre.






É claro que pensei em dar um passeio pelas Tuileries, mas dois fatores me impediram: o fator chuva (que havia recomeçado) e o fator botas (que jamais cessava de doer). Ademais, entardecia, e visitar um parque a noite  não seria uma boa ideia, mesmo que fosse em Paris. Ficaria para a próxima visita. Aquele domingo tinha sido bastante longo, assim como esta postagem. Portanto, o Carrousel foi o ponto final. 

sábado, 20 de agosto de 2011

Uma praça, uma igrejinha e o estranho Caminho de Santiago... em plena Rive Gauche!

Domingo é dia de ir à Igreja, pelo menos para mim. E como em Paris, praticamente, só as igrejas e os museus ficam abertas aos domingos, decidi que este seria o meu programa. Saindo então da Shakespeare and Co., desci pelo cais de Montebello até a Place Vivien, em cujo centro se esconde, acanhada e modesta, a Igreja de “Saint Julien o Hospitaleiro” (atentem bem nestes dois nomes, Vivien e Julien, depois comento!). Aquela igreja era objeto de minha curiosidade desde que li o conto homônimo de Flaubert que, de forma muito romanesca, narrava a trajetória do sanguinário príncipe gaulês que se converteu ao Evangelho nos primórdios do Cristianismo, e tornou-se um eremita, manso e humilíssimo, que ajudava os fugitivos na travessia do rio Sena, quando Paris era ainda uma desassossegada Lutécia recém invadida e arruinada pelos bárbaros do Norte. Reza a lenda que apenas Saint Julien teve coragem de não fugir para ajudar os que não podiam fugir. Para saberem mais desta legenda áurea, leiam o conto, é de uma beleza ímpar.


Essa igrejinha tinha acabado de passar por uma limpeza profunda na fachada e resplandecia como um castelo de areia. E apesar de sempre ter sido uma igrejinha, era lá que acontecia uma das mais belas cerimônias da Idade Média, quando o rector maginificus da Sorbonne transmitia a seu sucessor o manto de arminho e o saco de veludo contendo o selo da universidade. Foi lá que o jovem Dante, então aluno de direito, compôs os primeiros cantos do Inferno. E antes dele, o doutor Santo Tomás de Aquino, entre o intervalo de uma aula e outra, também passava por lá para rezar e cochilar.  E apesar de hoje está encravada no agitado coração de Paris, essa igrejinha conserva misteriosamente o acolhedor aspecto de uma capela rural – basta cruzar a praça e o jardim que a circundam, para se sentir no campo, ou no arrabalde de uma remota província romana, que tanto poderia ser Lutécia ou a Síria. 


Digo isso porque desde o século XIX, o Vaticano confiou a igreja de Saint Julien à comunidade católica sírio-libanesa, que de bom grado ali se instalou, erguendo uma enorme iconóstase que narra toda a vida de Saint Julien, e que serviria de inspiração a Flaubert.


Depois de algumas fotos furtivas em meio à missa de rito maronita, sai da igreja para comer um dos deliciosos sanduíches de faisão que dois irmãos libaneses vendem na única barraquinha da Place Vivien. Daí eu fui me sentar debaixo da mais antiga árvore de Paris, uma acácia de 400 anos (verdadeiro xodó dos parisienses), que fica junto de um poço igualmente vetusto.



 Ali mordi a suculenta e longilínea baguete recheada de faisão, deixando o molho de azeite escorrer pelo canto da boca, tomando uma lata de fanta... estava feliz, feliz, feliz... era Paris! Enquanto isso ficava olhando a Ile de La Citè, à frente, dominada pela Notre Dame; e bem ao lado da praça, o Caminho de Santiago de Compostela que hoje cruza o centro de Paris com o nome de Avenida Saint Jacques de Compostelle. Na hora não me dei conta, só percebi muitos dias depois, mas eu estava na praça Vivien, recostado na Igreja de Saint Julien, contemplando o caminho de Santiago. Prestem bem atenção neste detalhe, para mim seria muito significativo. Mas só depois.