terça-feira, 14 de setembro de 2010

O Estrangeiro

"É parecida comigo?" Alice perguntou ansiosa, pois lhe ocorrera a idéia: "Há uma outra menininha em algum canto deste jardim."
Peregrinar não é somente um encontro conosco mesmo, é também, e sobretudo, um encontro com o outro, outros - que, todavia, nos conduz a nós mesmo. O ser humano, por simples contingência, participa de um convívio - querendo ou não, a sua existência é uma existência compartilhada. E compartilhar o existir é fundamento divino, manifesto no sublime mistério da Trindade Santa: Um só Deus, em Pessoas três!... Com efeito, ao peregrinar, trava-se com o estranho, com o estrangeiro (palavras que tem a mesma raiz semântica: extraneus), um reencontro consigo próprio. A viagem sagrada é um exercício de reciprocidade, o piedoso feedback que nos recomenda a Torá, ou Pentateuco: “Ama o estrangeiro como a ti mesmo, e lembra-te que fostes estrangeiro em uma terra estrangeira (Ex. 22,20; Lv. 19,33; Dt. 10,18)...” Se trocarmos a palavra “estrangeiro” por “estranho” o versículo se revela ainda mais significativo e luminoso. Acaso sabemos de nossa própria estranheza? Quem já assumiu a perspectiva do outro? Quem já se pôs no olhar estrangeiro para contemplar a si mesmo? E com que freqüência?... A peregrinação nos confronta com essa experiência que, dada a sua radicalidade, quase nunca é fácil, podendo até tornar-se puro non-sense, algo parecido com a fabulosa viagem de "Alice através do Espelho... e o que encontrou por lá!” Eu sou da opinião que Lewis Carroll fez Alice aventurar-se uma segunda vez, peregrinando através do espelho, porque sabia que o espelho do peregrino é o seu próprio caminho. Na peregrinação, deparamo-nos com estranhos reflexos de nós mesmo, e nossa reação é tal, que acabamos conhecendo a dimensão de nossa própria estranheza. Com efeito, está escrito: “Lembra-te, porém, de todo o caminho que o Senhor teu Deus te fez percorrer (...) a fim de te humilhar, de te tentar, e te levar ao conhecimento do que tinhas no coração. (Dt. 8, 2)” É bem provavel que o poeta inglês Robert Browning estivesse pensando neste versículo quando escreveu: “I walk to prove my soul!”

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