sábado, 20 de agosto de 2011

Uma praça, uma igrejinha e o estranho Caminho de Santiago... em plena Rive Gauche!

Domingo é dia de ir à Igreja, pelo menos para mim. E como em Paris, praticamente, só as igrejas e os museus ficam abertas aos domingos, decidi que este seria o meu programa. Saindo então da Shakespeare and Co., desci pelo cais de Montebello até a Place Vivien, em cujo centro se esconde, acanhada e modesta, a Igreja de “Saint Julien o Hospitaleiro” (atentem bem nestes dois nomes, Vivien e Julien, depois comento!). Aquela igreja era objeto de minha curiosidade desde que li o conto homônimo de Flaubert que, de forma muito romanesca, narrava a trajetória do sanguinário príncipe gaulês que se converteu ao Evangelho nos primórdios do Cristianismo, e tornou-se um eremita, manso e humilíssimo, que ajudava os fugitivos na travessia do rio Sena, quando Paris era ainda uma desassossegada Lutécia recém invadida e arruinada pelos bárbaros do Norte. Reza a lenda que apenas Saint Julien teve coragem de não fugir para ajudar os que não podiam fugir. Para saberem mais desta legenda áurea, leiam o conto, é de uma beleza ímpar.


Essa igrejinha tinha acabado de passar por uma limpeza profunda na fachada e resplandecia como um castelo de areia. E apesar de sempre ter sido uma igrejinha, era lá que acontecia uma das mais belas cerimônias da Idade Média, quando o rector maginificus da Sorbonne transmitia a seu sucessor o manto de arminho e o saco de veludo contendo o selo da universidade. Foi lá que o jovem Dante, então aluno de direito, compôs os primeiros cantos do Inferno. E antes dele, o doutor Santo Tomás de Aquino, entre o intervalo de uma aula e outra, também passava por lá para rezar e cochilar.  E apesar de hoje está encravada no agitado coração de Paris, essa igrejinha conserva misteriosamente o acolhedor aspecto de uma capela rural – basta cruzar a praça e o jardim que a circundam, para se sentir no campo, ou no arrabalde de uma remota província romana, que tanto poderia ser Lutécia ou a Síria. 


Digo isso porque desde o século XIX, o Vaticano confiou a igreja de Saint Julien à comunidade católica sírio-libanesa, que de bom grado ali se instalou, erguendo uma enorme iconóstase que narra toda a vida de Saint Julien, e que serviria de inspiração a Flaubert.


Depois de algumas fotos furtivas em meio à missa de rito maronita, sai da igreja para comer um dos deliciosos sanduíches de faisão que dois irmãos libaneses vendem na única barraquinha da Place Vivien. Daí eu fui me sentar debaixo da mais antiga árvore de Paris, uma acácia de 400 anos (verdadeiro xodó dos parisienses), que fica junto de um poço igualmente vetusto.



 Ali mordi a suculenta e longilínea baguete recheada de faisão, deixando o molho de azeite escorrer pelo canto da boca, tomando uma lata de fanta... estava feliz, feliz, feliz... era Paris! Enquanto isso ficava olhando a Ile de La Citè, à frente, dominada pela Notre Dame; e bem ao lado da praça, o Caminho de Santiago de Compostela que hoje cruza o centro de Paris com o nome de Avenida Saint Jacques de Compostelle. Na hora não me dei conta, só percebi muitos dias depois, mas eu estava na praça Vivien, recostado na Igreja de Saint Julien, contemplando o caminho de Santiago. Prestem bem atenção neste detalhe, para mim seria muito significativo. Mas só depois.        

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