sábado, 2 de abril de 2011

Quem disse que Paris não vale uma missa?

Assim começa o salmo 122: Que alegria quando me disseram vamos à casa do Senhor!... Era domingo de manhã, e eu tinha ido para o “Banquete da Vida” num dos endereços parisienses mais chiques de Deus: a Catedral de Notre Dame!... Havia duas filas de acesso: do lado esquerdo, uma fila curta, rápida, pouco concorrida, porque era a dos que pretendiam participar da missa; e do lado direito outra bem mais extensa, tumultuada, ruidosa porque era a fila dos turistas apressados, interessados apenas em fotografar. Ou seja, da entrada já se tinha uma medida clara da vida espiritual deste século fútil e desconfiado.  


Mas como a arte tem o condão pedagógico de provocar as almas mais distraídas ou obtusas, os passantes logo se arrependiam de sua pressa e, uma vez assaltados pela majestade da nave principal onde ecoavam hipnóticos cânticos gregorianos, eles logo furavam os cordões de isolamento e tomavam lugar nos assentos disponíveis. Era sempre assim...




Naquela manhã celebrava-se Côme et Damien (São Cosme e São Damião), dois jovens médicos sírios, do século II, que conciliaram medicina e fé numa missão duplamente salvadora ao redor do mediterrâneo, onde então foram mortos por soldados pagãos a mando de Diocleciano. Ironicamente, séculos depois, pagãos sofisticados agora folheavam o saltério, comovidos com a narrativa daquela legenda áurea, cantada no oratorium de Gounod, por um diácono negro com suabilíssima voz de barítono... E eu, cá comigo, ficava me perguntando que tipo de arte a incredulidade pode inspirar?
 

Ite, missa est!... Cantou o diácono terminando a celebração. Agora sim, de alma leve e elevada, as pessoas podiam sacar suas câmeras fotográficas para percorrer a catedral. E tantos foram os flashes disparados que mais parecia um começo de tempestade. Mas não era para menos: o esplendor estético revelava-se mais forte no pormenor do que na magnitude do conjunto, por isso a cada passo as pessoas se quedavam contemplativas.


Elstir, personagem de Proust, assim explica este fenômeno: "trata-se da mais bela Bíblia ilustrada que uma massa inculta poderá ler. O Homem-Deus, a Virgem-Mãe e os baixos-relevos onde se expõe suas vidas constituem a expressão mais terna e inspirada desse longo poema de adoração e louvor que a Idade Média vai estendendo aos olhos do bárbaro de ontem e de hoje. Não podes imaginar, além da minuciosa exatidão para traduzir o texto sacro, quantos achados de delicadeza teve o velho escultor, que pensamentos profundos e que encantadora poesia!... Pois então, meu caro, eis ali todo o Evangelho compactado em pedra, todo um gigantesco poema teológico e simbólico para educação dos corações toscos."     


Meu coração saiu educado e aquecido, mas do lado de fora, soprando uma aragem gélida, eu tive que correr para o café mais próximo, onde pudesse aquecer o restante do corpo com uma boa xícara de capuccino.

Um comentário:

  1. Oi, Chris, que amiga ingrata tenho sido. Paris vale uma missa, vc vale muitas visitas. Que beleza de informações. Parabéns pelas expressivas mensagens e imagens!

    Quem sabe , um dia , vejo estas belezas de perto e conheça esta Bíblia viva?!
    Abraços.

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