domingo, 3 de abril de 2011

Memórias (e bobagens) do subsolo!


Embora faminto e batendo os dentes de frio, eu ainda fiquei um bom tempo no meio da place Notre Dame importunando os outros turistas para me ajudarem com minhas fotos (um saco!). Por sorte, encontrei, ou melhor, fui encontrado por um casal de jovens parisienses simpaticíssimos que, muito compadecidos, dispuseram-se em acabar com aquela mendicância fotográfica – que, cá pra nós, é uma das piores agruras de quem viaja sozinho. Mas então começou a ventar e chover forte, o jovem casal logo me devolveu a câmera e fugiu, e eu sem saber para onde ir, despenquei numa escadaria que julgava ser uma entrada do metrô, mas, para minha grande surpresa, era o acesso da Cripta Arqueológica de Paris.



Felizmente o lugar estava aberto e o ingresso não era tão caro (5 euros). Paguei, entrei e já fui logo fotografando. De cara, vi três maquetes interessantes mostrando a Île de la Cité em três momentos históricos distintos. Primeiro, na fase pré-histórica, quando não havia nada, a não ser o Sena, a ilha, e as colinas que hoje são os bairros altos de Montparnasse, Montmartre, Chailot, etc. Depois, na outra maquete, a colônia romana, urbanisticamente projetada, que então se chamava Lutércia. Por fim, a Paris da dinastia Merovíngia, que já era a segunda maior cidade da Cristandade medieval, perdendo apenas para Constantinopla.
A cor azul-escura, em contraste com a mais clara,
corresponde a atual conformação do rio Sena, que antes era bem mais caudaloso.

Avenidas longas e paralelas davam forma ao plano urbanísitico
da colônia romana que daria origem a Paris.

Essa longa muralha que circunda a Paris medieval ocupava o lugar
que hoje é o Boulevard Saint German.

No mais, vinham os alicerces da velha Lutércia, um vasto emaranhado de pedregulhos (uns ainda inteligíveis, outros nem tanto) que se estendiam ao longo de todo o subsolo da praça, bem como da Catedral. Interessante é que, a certa altura, presenciei duas adolescentes espanholas (aliás, de língua espanhola) apontarem para uma determinada ruína dizendo que era ali a entrada do templo de Isis, que Dan Brown, em não sei qual dos seus romances, jurara que a Igreja Católica, malvada como ela só, havia usurpado para então construir a Notre Dame.



Eu não me contive e falei: alôoooouuuu, a Catedral só foi construída no século XI, quando não havia mais nenhum romano, e muito menos “hipotéticos-imigrantes-egípcios-adoradores-de-Isis” morando em Paris!... Mas elas teimaram, porque o magister dixte, mestre Dan Brown falou que a etimologia da palavra romana Paris vinha de Per-Isis (para Isis), e que ali havia uma grande pedra trapezoidal em ônix que é um centro magnético usado pelos sacerdotes antigos para realizar operações médicas, e... quem era eu para discordar?... Ora, eu era apenas alguém que sabia ler e, por isso mesmo, estava lendo uma placa que, muito nitidamente, declarava ter sido aquilo tudo uma simples terma, ou seja, um banheiro público que funcionou até o século IV da era cristã, e onde as pessoas faziam coisas muito distintas do que adorar uma deusa oriunda do nordeste da África!... E a placa também não mencionava nenhuma pedra ônix de ultra-sonografia ou ressonância magnética. E Paris não vem de Per-Isis, mas de parisii, a tribo gaulesa que primeiro ocupou aquele lugar!... Confesso que eu já estava tremendo e sem fôlego. 



Elas viram a placa, viram as piscinas e os tubos de cerâmica, viram até uma pedra com a inscrição latina Lutetia-Parisiiorum, mas não se mostraram nem um pouco convencidas: podia ser manipulação da Igreja!... Oi, como assim? Aquela cripta pertence ao Estado Laico Francês, e não a Igreja Católica. E se pertencesse a Igreja - manipulação por manipulação - seria muito mais fácil manter aquilo tudo soterrado na poeira do esquecimento onde jazeram por séculos! Ou então, no caso da pedra-mágica-com-doppler, seria melhor guardá-la num cofre nos subsolos do Vaticano. E onde estava essa fantástica kriptonita egípcia? Ficou invisível, ou só os inteligentes podiam vê-la?... Quer saber? Chega de papo! Não iria desperdiçar meu precioso passeio contestando afirmações tão francamente ridículas.  Se há um esforço inútil e extenuante, é o de contestar bobagens. Debitei aquilo na conta dos seus verdes anos e da péssima literatura que consumiam. Se bem que Dan Brown não tem culpa da burrice de ninguém!... Então, como já estava estiado, guardei minha câmera fotográfica e fui tomar café. Bonjour!  

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